top of page

Sanções, SWIFT e Tensão Diplomática: O Caso Moraes e a Lei Magnitsky

Por J. Rubens Scharlack

 

ree

Introdução

 

As recentes sanções dos Estados Unidos (EUA) contra membros do Poder Judiciário brasileiro, com destaque para o Ministro Alexandre de Moraes, reacenderam debates sobre soberania, jurisdição internacional, liberdade de expressão e os limites da cooperação jurídica entre Estados soberanos. O governo americano sustenta que tais sanções se baseiam em sua legislação interna, em especial a Lei Magnitsky e a Executive Order 13818. No Brasil, a controvérsia ganhou um novo capítulo com a decisão do Ministro Flávio Dino, segundo a qual ordens estrangeiras, inclusive sancionatórias, não produzem efeitos automáticos em território nacional sem prévia homologação pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Neste artigo, examinamos os fundamentos jurídicos das medidas americanas, o contexto normativo brasileiro, os desdobramentos diplomáticos e econômicos da crise, um possível paralelo anterior (FATCA) e conclusões práticas para brasileiros com interesses nos EUA e americanos, no Brasil.

 

A Lei Magnitsky e a Executive Order 13818

 

A Lei Magnitsky original (Sergei Magnitsky Rule of Law Accountability Act of 2012, Public Law 112-208) foi criada com o objetivo de punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, por meio de congelamento de ativos e restrições de vistos. Posteriormente, o Congresso americano aprovou o Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, permitindo a imposição de sanções a indivíduos estrangeiros acusados de violar direitos humanos ou de envolvimento em corrupção significativa, independentemente do país.

 

A Executive Order (EO) 13818, assinada por Donald Trump em 2017, expandiu e operacionalizou o Global Magnitsky Act. Ela confere ao Departamento de Estado e ao Departamento do Tesouro autoridade ampla para congelar bens e negar entrada nos EUA a estrangeiros considerados responsáveis por tais violações. As sanções podem ser motivadas por relatórios internos, inteligência americana ou até mesmo pressão política.

 

A EO 13818 estabelece critérios como:

·       Graves abusos de direitos humanos;

·       Corrupção significativa;

·       Ações que ameacem a estabilidade política ou econômica de países ou regiões.

 

No caso do Brasil, o Departamento de Estado alegou que o Ministro Alexandre de Moraes violou garantias fundamentais ao ordenar, por meio de decisões sigilosas, a suspensão de contas em redes sociais de cidadãos americanos e ao conduzir prisões preventivas sem o devido processo legal.

 

A Resposta Brasileira: Jurisdição, Soberania e Homologação

 

Diante da repercussão das sanções, o Ministro Flávio Dino proferiu decisão que reafirma a soberania nacional ao exigir homologação judicial para que atos estrangeiros, inclusive de natureza sancionatória tenham efeitos jurídicos no Brasil. Embora a íntegra da decisão ainda não esteja disponível no site do STF, nossa análise se baseia nos trechos noticiados pela imprensa nacional.

 

Conforme entendimento consagrado pelo STF, sentenças estrangeiras, inclusive arbitrais, somente têm eficácia no Brasil após homologação (CF, art. 102, I, "h" e CPC, arts. 960 a 965). Contudo, o caso em tela não se refere a decisões judiciais, mas sim a atos administrativos do Poder Executivo estrangeiro (executive orders), o que gera debate sobre a analogia entre os institutos e o alcance da exigência de homologação.

 

Ainda assim, a decisão de Flávio Dino sinaliza que a produção de efeitos jurídicos internos por medidas unilaterais de outro país dependeria de algum tipo de internalização formal, preservando o devido processo legal e a soberania jurisdicional brasileira.

 

Caso Mais Médicos e a Ampliação das Sanções

 

Recentemente, outros ex-funcionários do governo brasileiro foram sancionados pelo Departamento de Estado por sua participação no programa Mais Médicos, onde médicos cubanos atuaram no Brasil sob condições consideradas (pelos EUA) análogas à escravidão. A crítica americana recaiu sobre o papel de intermediação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e sobre o suposto desrespeito ao bloqueio econômico imposto pelos EUA a Cuba.

 

O caso evidencia que as sanções Magnitsky podem alcançar não apenas autoridades envolvidas em violações de direitos civis e políticos, mas também agentes públicos cuja atuação seja interpretada como conivente com violações trabalhistas ou com regimes sancionados.

 

“Cancelamento” do SWIFT: Risco Real ou Ruído Político?

 

Reportagens recentes levantaram a possibilidade de o Brasil ser desconectado do sistema SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), o principal canal global de comunicação entre instituições financeiras. Embora a hipótese tenha gerado alarde, não há indícios concretos de que essa medida esteja em curso. O próprio SWIFT afirmou à imprensa que não impõe sanções unilateralmente, respeitando apenas determinações oficiais de seus reguladores centrais, situados na União Europeia (e Bélgica), onde a entidade está sediada.

 

O SWIFT é uma cooperativa global, de natureza privada e sem fins lucrativos, composta por milhares de instituições financeiras. Seu papel é técnico — permitir a troca padronizada de mensagens entre bancos — e não normativo ou sancionatório. Sua governança é regida por órgãos colegiados que obedecem aos marcos legais da UE. Portanto, uma eventual exclusão do Brasil dependeria de forte articulação diplomática multilateral.

 

No entanto, o simples risco de exclusão do sistema pode afetar a confiança internacional no país e gerar reflexos nos fluxos de investimento e na precificação de risco soberano.

 

Contradições Americanas e o Precedente do FATCA

 

Em artigo anterior, analisamos as contradições da política externa americana ao condenar outros países por extraterritorialidade jurídica enquanto mantém instrumentos unilaterais.

 

Um deles é o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), que impõe obrigações severas a bancos estrangeiros para identificar titulares americanos, sob pena de retenções tributárias em remessas oriundas dos EUA a titulares de contas nesses bancos. No caso do FATCA, o Brasil optou por uma abordagem diplomática, celebrando um Intergovernmental Agreement (IGA) com os EUA para internalizar e coordenar a aplicação da norma americana no país (mais especificamente, na Receita Federal do Brasil), sem expor seus bancos a sanções diretas.

 

Esse precedente demonstra que confrontos jurídicos e comerciais entre soberanias podem ser evitados por meio de soluções institucionais, e que sanções unilaterais tendem a gerar resistências, dificultar cooperação internacional e colocar em xeque a credibilidade das próprias democracias que as impõem.

 

Considerações Finais

 

O impasse envolvendo o Brasil e os Estados Unidos, embora revestido de forte carga política, revela dilemas jurídicos relevantes: o equilíbrio entre soberania nacional e jurisdição extraterritorial, a validade de sanções internacionais unilaterais e a proteção do devido processo legal em contextos de tensão diplomática.

 

Enquanto o governo americano adota medidas de retaliação com base em normas domésticas, o Brasil reafirma sua Constituição ao exigir processos formais para internalização de sanções. No plano jurídico, essa tensão exige cautela, moderação institucional e, sobretudo, diálogo entre nações soberanas.

 

Para indivíduos e empresas brasileiras com atuação ou presença nos EUA, e para norte-americanos com investimentos no Brasil, o momento exige atenção redobrada, revisão de estratégias de risco, e assessoria jurídica qualificada. A consolidação de um ambiente seguro e previsível depende, mais do que nunca, de pontes jurídicas, não de muros geopolíticos.


 
 
 

Comentários


bottom of page